CRM-PB entrevista Dr. Paulo Fernando Martins Filho

Para o médico pediatra Paulo Martins, lidar com o momento mais mágico de nossas vidas – o nascimento – foi um dos pontos principais para que ele escolhesse a neonatologia. Natural de Campina Grande (PB), após se especializar em pediatria e neonatologia na USP de Ribeirão Preto, ele retornou à sua cidade natal para se dedicar aos pacientes do seu estado. “O cuidado neonatal é altamente complexo e envolve uma série de requisitos essenciais, como o número adequado de vagas, a disponibilidade de materiais e a presença de profissionais qualificados em número suficiente para fornecer a assistência necessária”, afirma.

Formado em Medicina pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), residência em Pediatria e especialização em Neonatologia pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorando do Departamento de Pediatria e Puericultura da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto, Paulo Martins é atualmente coordenador do Programa de Reanimação Neonatal da Paraíba, trabalha no Hospital da Criança, no Help e na Clínica Santa Clara, além de atender em seu consultório particular e dar aulas de Pediatria na Unifacisa.

Na entrevista a seguir, além de falar sobre sua carreira médica, ele faz reflexões e sugestões sobre a gestão de leitos pediátricos no estado, sobretudo na região de Campina Grande, ressalta a importância do planejamento e estratégias eficazes para atender as necessidades dos pacientes, destaca a relevância do cuidado nos primeiros mil dias do indivíduo (da concepção aos 2 anos de idade), dentre outros assuntos. “Com compromisso e esforço é possível melhorar a qualidade do cuidado e garantir que o paciente receba o melhor atendimento possível”, destaca.

O CRM-PB vem constatando e denunciando há anos a falta de leitos para gestantes e bebês prematuros na região de Campina Grande. Como o Sr. vê esta situação?

Conforme dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), a Paraíba dispõe atualmente de 316 leitos disponíveis para assistência neonatal, o que representa um aumento significativo de 216% em relação aos últimos dados divulgados pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) em 2018. Desses leitos, 24 são destinados a UTIs neonatais tipo I, 80 para tipo II e 29 para tipo III. Destes, apenas 63 leitos se destinam ao atendimento pelo SUS. Apesar dos números, o resultado deixa o estado na décima posição com maior déficit de UTIs neonatais do Brasil. Segundo o Departamento Científico de Neonatologia da SBP, a proporção ideal de leitos de UTI neonatal deve ser de, no mínimo, 4 leitos para cada grupo de mil nascidos vivos, o que na Paraíba, conforme os dados, fica pouco acima do ideal, já que o estado tem 5,6 leitos para cada 1 mil nascidos vivos. Já para Campina Grande, essa taxa reduz para 4 leitos a cada 1.000 nascimentos. A gestão de leitos neonatais é estratégia central para a garantia do acesso, para a melhoria do cuidado e para a redução da morbimortalidade neonatal no Brasil. Temos por objetivo acolher integralmente o recém-nascido e sua família e promover o uso racional dos leitos, contribuindo para a qualidade e segurança do cuidado e erradicando um desafio ainda existente no Brasil, o da superlotação permanente em algumas maternidades de alta complexidade. No Brasil, o cuidado aos recém-nascidos em situação de risco é de responsabilidade das Unidades Neonatais, as quais são compostas pelos seguintes componentes: cuidado intensivo neonatal (Unidade de Terapia Intensiva Neonatal) e cuidado intermediário neonatal em duas modalidades: Cuidado Intermediário Neonatal Convencional (UCINCo) e Cuidado Intermediário Neonatal Canguru (UCINCa), conforme a Portaria GM/MS nº 930 de 10 de maio de 2012. Essas unidades devem garantir atenção ao momento do nascimento, suporte respiratório, nutrição, promoção de crescimento e desenvolvimento, prevenção e tratamento de infecções, além de outras condições relevantes para a saúde do recém-nascido, sempre mantendo a família envolvida no processo. Com base nesse pressuposto, podemos inferir que o cuidado neonatal é altamente complexo e envolve uma série de requisitos essenciais, como o número adequado de vagas, a disponibilidade de materiais e a presença de profissionais qualificados em número suficiente para fornecer a assistência necessária. Campina Grande ainda se encontra à margem do ideal mas busca, paulatinamente, melhorar seus índices para tornar-se uma referência nacional quando falamos do cuidado neonatal.

Um estudo realizado pelo CRM-PB, em 2018, mostrou que 60% dos partos na Paraíba eram feitos em João Pessoa e Campina Grande e que a maioria dos municípios não possuía maternidade. Diante disso, como o Sr. avalia o atendimento aos bebês, sobretudo os prematuros e os que necessitam de UTI?

Compreender o perfil dos pacientes é fundamental para planejar e implementar estratégias de cuidado mais eficazes e adaptadas às necessidades individuais de cada paciente. Além disso, a avaliação do desempenho da equipe é essencial para identificar pontos de melhoria e para garantir que os pacientes recebam os cuidados de qualidade que merecem. A comunicação eficaz e a colaboração entre as equipes de saúde também são fundamentais para garantir uma abordagem holística aos cuidados e para garantir que os pacientes recebam o melhor atendimento possível. Isso pode envolver a criação de protocolos e diretrizes claras para as equipes de saúde, além de treinamento e educação continuada para garantir que todos os membros da equipe estejam atualizados com as melhores práticas. O uso de tecnologias de informação e comunicação pode ajudar a melhorar a comunicação e o monitoramento do desempenho da equipe de saúde. O uso de sistemas eletrônicos de registro médico e de ferramentas de análise de dados pode ajudar a identificar padrões de atendimento e a identificar áreas que precisam de melhoria. Em resumo, a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde exige uma abordagem multifacetada, que envolve a compreensão dos perfis dos pacientes, a colaboração entre as equipes de saúde, o monitoramento do desempenho e o uso de tecnologias de informação e comunicação. Com o compromisso e o esforço adequados, é possível melhorar a qualidade dos cuidados e garantir que os pacientes recebam o melhor atendimento possível. Um outro ponto em questão é a organização das unidades neonatais em redes colaborativas, que compreende uma estratégia importante para melhorar a qualidade dos cuidados prestados aos recém-nascidos. Essas redes podem ajudar a identificar melhores práticas e a promover a padronização dos processos de cuidado entre as unidades, o que pode levar a melhores resultados neonatais. É descentralizar o atendimento dos grandes centros sem perder a comunicação, fazendo com que o assistencialismo e a informação ocupem espaços jamais antes ocupados dentro do Estado, permitindo a capacitação de profissionais e ampliação do cuidado. Além disso, o uso de bancos de dados padronizados pode ajudar a monitorar o desempenho das unidades e a identificar oportunidades de melhoria. Ao compartilhar dados e resultados entre as unidades, é possível comparar o desempenho de cada unidade em relação às outras e identificar áreas que precisam de melhoria. A Rede Vermont Oxford, por exemplo, é uma rede colaborativa integrada por mais de 1.400 unidades neonatais em todo o mundo. A rede utiliza um banco de dados padronizado para coletar informações sobre os recém-nascidos admitidos nas unidades neonatais e monitorar os resultados dos cuidados prestados. Com base nesses dados, a rede pode identificar áreas de melhoria e implementar estratégias para melhorar a qualidade dos cuidados. No entanto, é importante ressaltar que a implementação de redes colaborativas requer um compromisso significativo das unidades envolvidas, incluindo a adoção de protocolos e diretrizes padronizados e a disposição de compartilhar dados e informações. Além disso, é necessário que as unidades sejam capazes de adaptar suas práticas de cuidado de acordo com as necessidades locais e as características de cada recém-nascido. Em resumo, a organização das unidades neonatais em redes colaborativas pode ajudar a melhorar a qualidade dos cuidados prestados aos recém-nascidos, por meio da padronização de práticas e do compartilhamento de dados e informações. No entanto, a implementação de redes colaborativas requer um compromisso significativo das unidades envolvidas e a capacidade de adaptação às necessidades locais.

O que fez o Sr. escolher a Medicina e a Neonatologia?

Eu nunca acreditei em amor à primeira vista. Sempre acreditei que tudo na vida parte de uma construção. Admiração, respeito, cumplicidade, amor. Uma escala evolutiva que se constrói a partir da convivência diária. Antes de entrar na medicina, busquei me realizar profissionalmente em outros cursos (direito, engenharia de biotecnologia), mas, infelizmente, não encontrei a felicidade que buscava. Meu contato com a medicina veio desde a minha infância. Minha mãe, pediatra, me manteve convivendo constantemente com a rotina médica, suas conquistas e adversidades. Demorei para entender que ali poderia estar a minha felicidade. Sempre gostei de ajudar pessoas e isso fez a ideia de prestar medicina crescer dentro de mim. Prestei o vestibular, passei e, apenas após os primeiros contatos com a dinâmica do curso, fui que comecei a sentir que poderia realmente ter encontrado o meu caminho. Com o passar dos anos, a certeza veio e a felicidade por ter me encontrado dentro do curso foi espetacular. Devo dizer que fui contra a maré de quem faz medicina. Nunca alimentei aquele desejo de infância em ser médico, muito menos tive brinquedos que me remetessem a prática médica. Foi o tempo, o convívio e a rotina que fizeram com que eu me apaixonasse. O amor foi sendo construído e se consolidando com o tempo. A escolha da pediatra e da neonatologia seguiram o mesmo caminho. A partir do convívio com a prática pediátrica dentro dos hospitais, pude estreitar os laços com a especialidade e nutrir as esperanças de um dia vir a trabalhar com ela. No momento da escolha da residência médica eu tive muitas dúvidas. Cheguei a prestar prova para diferentes especialidades na prerrogativa de cursar qualquer uma em que eu fosse aprovado. Mas, com a boa graça dos céus, acabei sendo aprovado em todas as instituições que prestei prova e tive a honra de poder escolher a especialidade com a qual mais me identificava. Diante do convívio familiar, do interesse pelo lúdico, acabei escolhendo a pediatria. Dentro da residência, acabei por ter um contato mais amplo com a neonatologia. Ao meu ver, era a especialidade mais linda da medicina pois lidava com o momento mais mágico de nossas vidas: o nascimento. Sendo assim, acabei escolhendo-a como minha subespecialidade. Procuro sempre orientar meus alunos quanto suas escolhas. Pontuo que devem sempre analisar inúmero fatores como gosto pessoal, remuneração e amor. É uma decisão complexa e que pode impactar as nossas vidas para sempre. Escolher com sabedoria é sempre o melhor caminho.

Qual a importância do atendimento neonatal desde a gestação?

Os primeiros 1.000 dias de vida de um indivíduo são compostos pelo período desde a concepção até os dois anos de idade da criança, abrangendo 270 dias de gestação e mais 365 dias do primeiro e do segundo ano de vida. Esses 1.000 dias são fundamentais para o crescimento e desenvolvimento infantil, representando uma janela de oportunidades para a adoção de hábitos e atitudes que terão impacto no futuro da criança. De acordo com a epigenética, o ambiente no qual a criança é exposta durante esse período, incluindo alimentação, estresse, atividade física, exposição ao fumo e álcool, entre outros hábitos e atitudes, irá influenciar os indicadores de saúde e doença em curto e longo prazo. Portanto, os primeiros 1.000 dias de vida representam uma oportunidade para determinar um futuro saudável para todos os indivíduos, e a transdisciplinaridade baseada na prevenção é o caminho para atingir esse objetivo. Dessa forma, é importante que os cuidadores estejam atentos aos sinais de desenvolvimento da criança, desde o período gestacional até os primeiros anos de vida, para que possam agir de forma rápida e efetiva em caso de alguma alteração. A atenção e o cuidado durante essa fase da vida podem impactar significativamente a saúde e o bem-estar da criança no futuro.

Após se especializar em Pediatria e Neonatologia em uma das melhores universidades de São Paulo, a USP de Ribeirão Preto, o que o motivou a voltar a Campina Grande?

Eu sempre tive comigo um senso de responsabilidade social muito grande com a minha terra. Por ter formado na Universidade Federal, sempre acreditei que nós, como alunos e futuros médicos, deveríamos retribuir à população tudo que foi investido na nossa educação. Sendo um estado tão carente, acreditei que buscar qualificação em São Paulo me permitiria aprender algo novo que pudesse impactar positivamente na minha terra. Parti com o sentimento de retorno muito bem estabelecido no meu coração. Sempre busquei ao longo da minha formação, me qualificar para que eu pudesse ajudar as crianças do meu estado de alguma forma. A minha intenção era reformular o pensamento médico a respeito de como a recepção neonatal deveria de fato acontecer, centralizada na família e não na equipe médica. Associado à intenção profissional, sempre esteve presente o quesito família. Por ser muito caseiro, precisei administrar com cautela toda saudade que senti diante da distância de mais de 2.000 quilômetros e 12 horas de voo. Minha família sempre foi o pilar central para minha existência e ficar longe deles nunca esteve em meus planos.

 

Fonte: https://crmpb.org.br/noticias/o-cuidado-neonatal-e-altamente-complexo-e-envolve-uma-serie-de-requisitos-essenciais/